No MotoGP, cada décimo de segundo conta — e conquistar a liderança já na primeira curva pode definir o rumo de toda a corrida. É aí que entra em cena o Holeshot Device, um mecanismo que tem revolucionado as largadas das equipes de ponta, reduzindo drasticamente a tendência de “empinar” a dianteira e permitindo uma aceleração mais agressiva e controlada logo nos metros iniciais.
🏁 Do barro para o asfalto: a origem no Motocross
Muito antes de chegar ao MotoGP, o holeshot device já era um equipamento comum no motocross, especialmente em provas norte-americanas e europeias. O termo “holeshot” no motocross refere-se ao piloto que chega primeiro à primeira curva após a largada — uma vantagem tática considerável, já que as pistas estreitas e cheias de obstáculos dificultam ultrapassagens.
O dispositivo começou a ser utilizado no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, mas seu conceito remonta ainda à década de 1970. O piloto norte-americano Arlo Englund é frequentemente creditado como o inventor do sistema, que consistia basicamente em travar a suspensão dianteira em uma posição comprimida antes da largada, para evitar que a roda dianteira saísse do chão ao acelerar em marchas curtas e com muito torque.
No motocross, o holeshot device é geralmente um pino ou trava mecânica instalado na bengala da suspensão dianteira, que é acionado quando o piloto comprime a suspensão manualmente no grid.
Ao largar, o centro de gravidade mais baixo mantém a moto estável, e a trava é liberada automaticamente no primeiro impacto com o solo, permitindo que a suspensão volte a operar normalmente.
Com o passar dos anos, o dispositivo se tornou padrão em competições de motocross profissional, sendo usado por praticamente todas as equipes de fábrica e também em categorias amadoras.
🔧 Adaptação ao MotoGP: inovação Ducati
Inspirada nesse conceito simples, mas eficaz, a Ducati Corse foi a primeira equipe a adaptar o holeshot device ao universo do MotoGP, por volta de 2018. A aplicação no asfalto exigiu uma engenharia mais sofisticada, considerando as exigências aerodinâmicas e a enorme aceleração das motos de 1000cc.
Foi a Ducati Corse quem o adaptou ao regulamento do MotoGP em 2018/2019, sob a coordenação do engenheiro Corrado Cecchinelli. Desde então, o dispositivo passou a fazer parte do arsenal tecnológico de todos os fabricantes – Ducati, Aprilia, Suzuki e Honda – a partir da temporada de 2019
Inicialmente, o sistema atuava apenas na suspensão traseira, mas evoluiu rapidamente para versões que travavam também a suspensão dianteira. Em 2021, chegou-se ao chamado “front and rear ride height device”, capaz de ser usado não só na largada, mas também durante a corrida — o que levou a Dorna e a FIM a proibirem seu uso dinâmico a partir de 2023, mantendo liberada apenas a ativação na largada.
⚙️ Como funciona o Holeshot Device no MotoGP
- Pré-ativação no grid
O piloto aciona o sistema manualmente ao comprimir a suspensão dianteira e/ou traseira, que fica travada numa altura mais baixa. - Durante a largada
Com o centro de gravidade rebaixado, a moto se mantém mais estável e ganha tração sem levantar a frente (wheelie), otimizando a aceleração. - Desarme automático
Ao frear para a primeira curva ou após um certo nível de compressão, o sistema se libera automaticamente, restaurando o curso normal das suspensões. - Regras: O dispositivo não pode ter acionamento eletrônico pois isso seria contra os regulamentos da categoria, então existe uma alavanca com acionamento hidráulico do dispositivo.
🧪 A física por trás da eficiência
O segredo está no equilíbrio entre tração e centro de gravidade. Com a suspensão comprimida, o centro de massa da moto é rebaixado, diminuindo o torque de rotação que leva ao empinamento (wheelie). Isso permite que o piloto use aceleração máxima sem perder contato com o solo, garantindo maior eficiência de tração e controle.
A relação entre o centro de gravidade (H) e a distância entre o centro de massa e o eixo traseiro (B) afeta diretamente a tendência ao wheelie. Reduzir H, mantendo B constante, aumenta a estabilidade na arrancada.
🏆 Impacto no desempenho e padronização
Após sua introdução pela Ducati, todas as fabricantes seguiram o exemplo — Honda, Yamaha, Aprilia, KTM e Suzuki passaram a desenvolver seus próprios sistemas. A evolução dos holeshot devices acabou criando um novo campo de disputa técnica no MotoGP, com engenheiros buscando milímetros de vantagem em altura, tempo de resposta e confiabilidade.
Hoje, o holeshot device é parte essencial da preparação para cada largada, e mesmo pequenas falhas no sistema podem comprometer uma corrida inteira.
✅ Conclusão
O holeshot device é um ótimo exemplo de como tecnologia simples, nascida na terra batida do motocross, pode ser transformada em soluções de alta performance no MotoGP, quando combinada com engenharia de precisão. Seja no barro ou no asfalto, vencer a largada continua sendo meio caminho andado para vencer a corrida — e o holeshot é a arma perfeita para isso.
Por Jeison Marques